UMA MOEDA PARA O BARQUEIRO
Segundo a mitologia Grega, Caronte era o barqueiro
responsável pela travessia das almas que deixavam este mundo e faziam a
passagem para outro no alem, pagando uma moeda (óbolo ou danake) pela travessia.
Aqueles que não tinham condições de pagar a quantia vagavam pelo hades por
cerca de cem anos. Ainda segundo a lenda, somente os heróis: Héracles, Orfeu,
Psiquê dentre outros, conseguiram viajar até o mundo interior e retornar ao
mundo dos vivos, trazidos pela barca de Caronte.
Aqui no mundo dos vivos, terra “Brasilis” estamos tentando
fazer uma travessia do mundo real para o mundo ideal. Em artigo anterior , mencionei
as obras de ampliação do canal do Panamá, prevista para termino em 2015, abrindo
novas perspectivas e oportunidades para transito de navios de grande porte para
cruzar este canal que liga o oceano atlântico ao pacífico. O porto de Miami,
antecipando os prognósticos, já começou a se preparar, viabilizando recursos
para realização de obras de infraestrutura, construindo um túnel para o trafego
de carretas ligando diretamente ao porto sem interrupção ou paradas, alem de
projetos para construção de pontes e viadutos. Somado a isto, há também recursos
para interligação de uma linha férrea entre o porto, costa leste e oeste e
demais estados através da ferrovia
Florida East Cost Railway(FEC).
O governo da Flórida estima investimentos da ordem de US$ 950 milhões para o porto de Miami, que
será também aparelhado com aquisição de novos e modernos equipamentos para
atender a recente geração de navios super containeiros que transportam de 10 a
15 mil TEUs(unidades de 20 pés). Com isto a capacidade de movimentação deste
porto vai duplicar dos atuais 900 mil TEU´s para quase 1.8 milhões TEU´s previsto
em sete anos. Isto posto, vai gerar um adicional de 30 mil novos postos de trabalho
ao estado da Flórida. Nada mal para qualquer governo em suas aspirações
políticas.
Um pouco abaixo no cone sul, neste mundo real, o pacote de
50 bilhões programados para investimento em logística que contemplam a melhoria
das condições de nossos portos, ao longo de 7.500 km de costa, banhadas pelo
atlântico, desponta com uma posição estratégica o porto de Suape em Recife, como uma rota alternativa ou complementar ao
porto de Miami. Tem boa localização geográfica em relação ao mar do caribe e
canal do Panamá e grande vantagem competitiva com expertise em containers e
calado (profundidade) de 15,5 mts.
Com investimentos de longo prazo pode melhorar ainda mais a
profundidade, mediante dragagem e ampliação de pátio para alocação de
containers, carga geral e aquisição de equipamentos mais modernos, como
´portainers e transteiners´ para atenderem a classe de navios mais largos e incrementar
a produtividade na descarga e embarque
das unidades. Porém tudo isto será insuficiente se não for construída novas
vias de acesso e melhorado o entorno do porto.
Grande parte das vias de acesso aos portos é federal. Em
alguns estados, estas estradas se conectam com outras estaduais e municipais,
havendo casos em que um órgão executa o trabalho de recapeamento dentro de seus
limites. Porém, o restante fica aguardando outros orgãos para complementarem o
trabalho. Enquanto isto não acontece, a parte inicial vai ficando tão
deteriorada que demandará novos investimentos e recapeamento da pista. É um
circulo vicioso, pois não existe entendimento ou planejamento entre as
autoridades municipais, estaduais e federais.
Na produção de grãos, temos uma agricultura com serviços e
tecnologia de primeiro mundo, bastante competitiva e eficiente. Neste ano a
produção atingiu a marca de 160 milhões de toneladas de grãos, incluindo uma
safra de cerca de 80 milhões tons de soja. Contudo, se no campo a produção é
“benchmarking”, isto é, desfruta de um
processo produtivo dentro dos melhores padrões mundiais, agregada a tecnologia
e pesquisa. Todavia, para escoar esta mercadoria até aos portos, o processo é
medieval. Para ser ter uma ideia, nosso principal concorrente, os EUA que
apesar das condições climáticas adversas, devido a baixas temperaturas no
inverno e altas no verão, e não desfrutar de um clima tropical como o nosso,
mesmo assim consegue superar nossa marca produtiva em alguns casos.
Fatores climáticos à parte, nosso concorrente prima por possuir
quase todo o território interligado por diversos modais, como ferrovias,
rodovias e sistemas de hidrovias. Para citar um exemplo, a soja produzida no
meio oeste dos EUA chega até o porto de Houston ou Jacksonville utilizando os
modais, rodoviário (saída de grãos da fazenda) após, ferroviário e/ou hidroviário(30 barcaças = 2000 caminhões) ao
custo de US$ 60 por tonelada. No Brasil este custo chega a US$ 180 por
tonelada, utilizando principalmente o modal rodoviário (caro e ineficiente) do
início ao fim, sendo alternativo o ferroviário, que não se interligam. A
estrutura de armazenagem, também é precária, pois não existem silos, verticais
ou horizontais em pontos estratégicos, suficientes para fazer o chamado
“pulmão” de carga. Isto é liberação de partes da carga a medida que demande o
embarque.
O “custo Brasil”
engloba estes, dentre outros fatores que encarecem nossos produtos no exterior.
Os gargalos e desvios elencados acima são partes da fraca infraestrutura de transporte até chegar ao porto. No porto é que as coisas
se complicam em virtude das deficiências logísticas e estruturais de
transportes interno. A demora no escoamento do produto (no caso a soja) até
chegar aos armazéns ou silos do porto, provocam imensas filas de caminhões nas
rodovias e entorno portuário, bem como, fila de navios no fundeio (local onde
as embarcações ficam ancoradas), também conhecida no jargão marítimo como barra
(anchorage).
Isto vai impactar nos contratos marítimos. Pois, o custo ou
aluguel (daily hire) de uma embarcação por dia gira em média de US$ 20 a 30 mil
dólares que o afretador tem pagar ao fretador. Existe um tempo de espera previsto,
estipulado em contrato de afretamento, chamado (lay days) em que o navio chega
na barra/ancoradouro e aguarda sua vez para atracar. Se o período exceder o
tempo previsto em contrato, o afretador vai pagar uma multa (demurrage) ao
fretador. Existe outras variáveis complicadoras como a carta de crédito, que faz parte do contrato
de venda da mercadoria, avaliado por uma banco garantidor do crédito, e tem que
ser cumprida fielmente nos termos estipulado entre o exportador e importador,
pois em caso de aditivo, paga-se valores altíssimos.
Em relação aos containers que é a grande vedete do mercado
mundial para transporte marítimo de
mercadorias entre o oriente e ocidente, pela segurança, grande quantidade de
cargas movimentadas e valor do frete marítimo baixo em relação a outros modais,
nossos portos necessitam urgentemente de modernas aparelhagens e sistemas de automoção,
além de retroáreas para apoio logístico de armazenagem. Tendo como parâmetro os
portos de Rotterdam, Cingapura e Shanghai. Nestes portos o entorno são
verdadeiras cidades que interagem com o porto no aspecto industrial, de
serviços, social e cultural. O porto passa a fazer parte da comunidade, que por
sua vez se beneficia desta geração de serviços e riqueza, gerando uma mão de
obra de melhor qualidade.
Temos uma classe empresarial aguerrida e disposta a trabalhar e investir, precisamos
criar todas as condições, segurança jurídica, reformas fiscais e outros
mecanismos para atrair mais investimentos estrangeiros e que haja uma sinergia
entre Governo, empresários e trabalhadores de forma que as transformações
ocorram melhorando a distribuição de riquezas e facilitando esta passagem para
o mundo ideal . O mundo real já conhecemos e sabemos que necessita de
transformação, já temos a moeda para custear esta passagem, ou seja, o preço
que pagamos pelos erros cometidos no passado, nos credenciam a ir adiante sem comete-los
novamente.
Agora é a hora de transformação e mudanças, com
planejamentos e metas bem definidas. Não podemos perder a barca para um mundo
novo de prosperidade e eficiência. Caso contrário, estaremos vagando e teremos
que esperar pelos heróis mitológicos nos ajudarem. O perigo é que; até eles
entraram em “default”.
Glossário:
Containers :
caixas metálicas que acondicionam mercadorias.
TEUs : unidade de vinte pés (em português) cerca
6 x 2mt – comp x alt.
Portainers :
carregadores de containers no navio
Transteiners:
carregadores de containers no pátio
Fretador :
aquele que coloca o navio a frete
Afretador: o
que afreta o navio
Default:
termo que indica o não cumprimento de obrigações/ inadimplemento
Dados sobre o autor:
Paulo
S.Silvano Oliveira
Advogado
Extensão em
Direito marítimo
“Expertise”
em portos – tendo atuado por 10 anos em portos da VALE.
e-mail: paulosilvano.juridico@gmail.com
Linkedin:
BR.linkedin.com/in/paulosilvano
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