sexta-feira, 4 de julho de 2014

UMA MOEDA PARA O BARQUEIRO

UMA MOEDA PARA O BARQUEIRO



Segundo a mitologia Grega, Caronte era o barqueiro responsável pela travessia das almas que deixavam este mundo e faziam a passagem para outro no alem, pagando uma moeda (óbolo ou danake) pela travessia. Aqueles que não tinham condições de pagar a quantia vagavam pelo hades por cerca de cem anos. Ainda segundo a lenda, somente os heróis: Héracles, Orfeu, Psiquê dentre outros, conseguiram viajar até o mundo interior e retornar ao mundo dos vivos, trazidos pela barca de Caronte.

Aqui no mundo dos vivos, terra “Brasilis” estamos tentando fazer uma travessia do mundo real para o mundo ideal. Em artigo anterior , mencionei as obras de ampliação do canal do Panamá, prevista para termino em 2015, abrindo novas perspectivas e oportunidades para transito de navios de grande porte para cruzar este canal que liga o oceano atlântico ao pacífico. O porto de Miami, antecipando os prognósticos, já começou a se preparar, viabilizando recursos para realização de obras de infraestrutura, construindo um túnel para o trafego de carretas ligando diretamente ao porto sem interrupção ou paradas, alem de projetos para construção de pontes e viadutos. Somado a isto, há também recursos para interligação de uma linha férrea entre o porto, costa leste e oeste e demais estados  através da ferrovia Florida East Cost Railway(FEC).

O governo da Flórida estima investimentos da ordem de  US$ 950 milhões para o porto de Miami, que será também aparelhado com aquisição de novos e modernos equipamentos para atender a recente geração de navios super containeiros que transportam de 10 a 15 mil TEUs(unidades de 20 pés). Com isto a capacidade de movimentação deste porto vai duplicar dos atuais 900 mil TEU´s para quase 1.8 milhões TEU´s previsto em sete anos. Isto posto, vai gerar um adicional de 30 mil novos postos de trabalho ao estado da Flórida. Nada mal para qualquer governo em suas aspirações políticas.
Um pouco abaixo no cone sul, neste mundo real, o pacote de 50 bilhões programados para investimento em logística que contemplam a melhoria das condições de nossos portos, ao longo de 7.500 km de costa, banhadas pelo atlântico, desponta com uma posição estratégica o porto de Suape em Recife,  como uma rota alternativa ou complementar ao porto de Miami. Tem boa localização geográfica em relação ao mar do caribe e canal do Panamá e grande vantagem competitiva com expertise em containers e calado (profundidade) de 15,5 mts.

Com investimentos de longo prazo pode melhorar ainda mais a profundidade, mediante dragagem e ampliação de pátio para alocação de containers, carga geral e aquisição de equipamentos mais modernos, como ´portainers e transteiners´ para atenderem a classe de navios mais largos e incrementar  a produtividade na descarga e embarque das unidades. Porém tudo isto será insuficiente se não for construída novas vias de acesso e melhorado o entorno do porto.

Grande parte das vias de acesso aos portos é federal. Em alguns estados, estas estradas se conectam com outras estaduais e municipais, havendo casos em que um órgão executa o trabalho de recapeamento dentro de seus limites. Porém, o restante fica aguardando outros orgãos para complementarem o trabalho. Enquanto isto não acontece, a parte inicial vai ficando tão deteriorada que demandará novos investimentos e recapeamento da pista. É um circulo vicioso, pois não existe entendimento ou planejamento entre as autoridades municipais, estaduais e federais.

Na produção de grãos, temos uma agricultura com serviços e tecnologia de primeiro mundo, bastante competitiva e eficiente. Neste ano a produção atingiu a marca de 160 milhões de toneladas de grãos, incluindo uma safra de cerca de 80 milhões tons de soja. Contudo, se no campo a produção é “benchmarking”, isto é,  desfruta de um processo produtivo dentro dos melhores padrões mundiais, agregada a tecnologia e pesquisa. Todavia, para escoar esta mercadoria até aos portos, o processo é medieval. Para ser ter uma ideia, nosso principal concorrente, os EUA que apesar das condições climáticas adversas, devido a baixas temperaturas no inverno e altas no verão, e não desfrutar de um clima tropical como o nosso, mesmo assim consegue superar nossa marca produtiva em alguns casos.

Fatores climáticos à parte, nosso concorrente prima por possuir quase todo o território interligado por diversos modais, como ferrovias, rodovias e sistemas de hidrovias. Para citar um exemplo, a soja produzida no meio oeste dos EUA chega até o porto de Houston ou Jacksonville utilizando os modais, rodoviário (saída de grãos da fazenda) após, ferroviário e/ou  hidroviário(30 barcaças = 2000 caminhões) ao custo de US$ 60 por tonelada. No Brasil este custo chega a US$ 180 por tonelada, utilizando principalmente o modal rodoviário (caro e ineficiente) do início ao fim, sendo alternativo o ferroviário, que não se interligam. A estrutura de armazenagem, também é precária, pois não existem silos, verticais ou horizontais em pontos estratégicos, suficientes para fazer o chamado “pulmão” de carga. Isto é liberação de partes da carga a medida que demande o embarque.

O  “custo Brasil” engloba estes, dentre outros fatores que encarecem nossos produtos no exterior. Os gargalos e desvios elencados acima são partes da fraca infraestrutura de transporte  até chegar ao porto. No porto é que as coisas se complicam em virtude das deficiências logísticas e estruturais de transportes interno. A demora no escoamento do produto (no caso a soja) até chegar aos armazéns ou silos do porto, provocam imensas filas de caminhões nas rodovias e entorno portuário, bem como, fila de navios no fundeio (local onde as embarcações ficam ancoradas), também conhecida no jargão marítimo como barra (anchorage).

Isto vai impactar nos contratos marítimos. Pois, o custo ou aluguel (daily hire) de uma embarcação por dia gira em média de US$ 20 a 30 mil dólares que o afretador tem pagar ao fretador. Existe um tempo de espera previsto, estipulado em contrato de afretamento, chamado (lay days) em que o navio chega na barra/ancoradouro e aguarda sua vez para atracar. Se o período exceder o tempo previsto em contrato, o afretador vai pagar uma multa (demurrage) ao fretador. Existe outras variáveis complicadoras como  a carta de crédito, que faz parte do contrato de venda da mercadoria, avaliado por uma banco garantidor do crédito, e tem que ser cumprida fielmente nos termos estipulado entre o exportador e importador, pois em caso de aditivo, paga-se valores altíssimos.

Em relação aos containers que é a grande vedete do mercado mundial para transporte marítimo  de mercadorias entre o oriente e ocidente, pela segurança, grande quantidade de cargas movimentadas e valor do frete marítimo baixo em relação a outros modais, nossos portos necessitam urgentemente de modernas aparelhagens e sistemas de automoção, além de retroáreas para apoio logístico de armazenagem. Tendo como parâmetro os portos de Rotterdam, Cingapura e Shanghai. Nestes portos o entorno são verdadeiras cidades que interagem com o porto no aspecto industrial, de serviços, social e cultural. O porto passa a fazer parte da comunidade, que por sua vez se beneficia desta geração de serviços e riqueza, gerando uma mão de obra de melhor qualidade.

Temos uma classe empresarial aguerrida e  disposta a trabalhar e investir, precisamos criar todas as condições, segurança jurídica, reformas fiscais e outros mecanismos para atrair mais investimentos estrangeiros e que haja uma sinergia entre Governo, empresários e trabalhadores de forma que as transformações ocorram melhorando a distribuição de riquezas e facilitando esta passagem para o mundo ideal . O mundo real já conhecemos e sabemos que necessita de transformação, já temos a moeda para custear esta passagem, ou seja, o preço que pagamos pelos erros cometidos no passado, nos credenciam a ir adiante sem comete-los novamente.
Agora é a hora de transformação e mudanças, com planejamentos e metas bem definidas. Não podemos perder a barca para um mundo novo de prosperidade e eficiência. Caso contrário, estaremos vagando e teremos que esperar pelos heróis mitológicos nos ajudarem. O perigo é que; até eles entraram em “default”.

Glossário:
Containers : caixas metálicas que acondicionam mercadorias.
TEUs   : unidade de vinte pés (em português) cerca 6 x 2mt – comp x alt.
Portainers : carregadores de containers no navio
Transteiners: carregadores de containers no pátio
Fretador : aquele que coloca o navio a frete
Afretador: o que afreta o navio
Default: termo que indica o não cumprimento de obrigações/ inadimplemento



Dados sobre o autor:
Paulo S.Silvano Oliveira
Advogado
Extensão em Direito marítimo
“Expertise” em portos – tendo atuado por 10 anos em portos da VALE.
Linkedin: BR.linkedin.com/in/paulosilvano


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